quarta-feira, 3 de agosto de 2011

CAMINHAR

Quando caminho, peço a Deus que a terra passe para mim, fecundidade, bondade, verdade, paz, serenidade, confiança e simplicidade.
Quando caminho, procuro ter o corpo reto, na direção do céu, e os olhos na direção do infinito.
Peço a Deus que o céu desça sobre mim, e que o infinito me atraia sempre, na dimensão da beleza, da liberdade e do amor.
Quando caminho, procuro abrir o meu ser à liberdade do vento, à liberdade do espaço, à inspiração de Deus. O vento se renova no espírito incessante, o peito se abre no sopro da vida. Caminhar na terra encantada e feliz me faz sentir acolhido e feliz.
Quando caminho, meu corpo volta-se para a frente, meu presente é um presente com fut uro, me faço ação, ação de esperança, acreditar vivo, confiança.
Quando caminho, sinto-me acolhido pela terra que me sustenta. Todas as minhas tensões e energias reprimidas vão descendo da cabeça até aos pés e dos pés se integram no grande amor da terra mãe. À medida que os pés fazem caminho, também a terra generosa vai caminhando dentro de nós, mexendo com tudo, movendo tudo, dando condição de reorganizar tudo, projetos, pensamentos, respostas a desafios, alegrias, vivências, iluminando tudo, tornando-se o nosso ser mais livre.
Caminhar é assumir a própria vida como sua, é tornar-se responsável por si mesmo. Sobre os meus pés está a minha história, pés tímidos, pés cansados, pés resistentes, pés quebrados, pés firmes no caminhar, pés que fazem caminho assumindo ser. Sobre os nossos pés está a nossa
história, pesada ou leve, simples ou complicada. No caminhar se assume a própria história.
Para ir mais além, é preciso aprender a caminhar sobre as próprias pernas. Somente caminhando torno-me capaz de caminhar; somente caminhando me faço caminho.
É preciso caminhar. Quem não caminha corre o risco de se transformar numa estátua de sal: amarga, fria, morta.
Caminhar na terra é caminhar dentro de nós mesmos. Nosso corpo é como um universo deitado no chão. No caminhar o nosso corpo vibra. Tudo mexe dentro de nós. Os pés que se assentam no chão, caminham dentro de nós. Mexem dentro de nós os sentimentos, as emoções, as idéias, os afetos, os problemas, os desafios. Mexem nossa alma e nosso espírito.
Caminhar é ir ao encontro. No meio do caminho, ou no fim, tem algo, tem alguém.
Quem está vivo caminha cada dia, só os mortos não caminham: não têm sonhos, desejos, insatisfação e energias para caminhar. Caminhar é viver.
Quem caminha sabe que um dia se conquista a seguir ao outro, que passo a passo se faz um grande caminho e que com o pé no chão se faz morada nesta terra e se chega ao infinito.
As marcas dos nossos pés são apagadas pelo vento, para que não fiquemos presos ao passado. Caminhamos com as memórias curadas pelo perdão do amor, atraídos pelos valores da utopia de nossa vida, horizontes de esperança de nossa vida. Faz uma grande viagem quem tem as memórias curadas pela experiência do amor, do afeto e do perdão. O caminhar faz rolar dentro de nós vivências, dando ocasião de acolher, perdoar, integrar e redimir nossas memórias.

Pe. José Luís, CSh

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pneus

ScreenHunter_001 Bem urbanos e típicos da sociedade industrial são os pneus. Nasceram para rodar, para encurtar distâncias, para acelerar o tempo. Pneus são resistentes, mas se desgastam no atrito da estrada. Pneus são importantes, mas fáceis de trocar. Pneus giram à volta de um eixo que os faz girar, como peças de uma engrenagem maior. Pneus não apenas se desgastam, mas podem furar. É fácil consertar um pneu, mas às vezes, não há jeito de o recuperar.

Pneus têm valor enquanto servem para rodar. Pneus são cheios de ar. Pneus vazios não servem para circular. Imaginar um carro sem pneus é imaginar um carro que não serve para nada. Os pneus não são a coisa mais valiosa do carro, mas mesmo assim, são necessários e imprescindíveis.

É difícil imaginar nossa sociedade sem pneus. A sociedade funciona sobre pneus. Transportes grandes de carga são feitos sobre pneus. Visitamos pessoas, chegamos ao emprego e ao parque, sobre pneus.

Pneus são típicos da sociedade industrial e como são! Feitos em série, para abastecer o mercado, para serem utilizados e jogados fora, para o consumo. Pneus são objetos. Seu valor não está tanto em si mesmos, mas na função utilitária que favorecem.

1.Como Pneus

Às vezes a vida é como encher um pneu furado: a gente luta, luta, luta... trabalha, trabalha, trabalha... e está sempre na mesma. É preciso consertar a vida para que possa ser vida. Estamos na sociedade que estressa, esvazia e joga fora. Se não crescermos na consciência de ser, nossa vida será sentida como perdida.

Quantas vezes, no jogo da vida somos como pneus. Deixamo-nos esvaziar. Rodamos à volta de um eixo que nos faz girar, o eixo de uma engrenagem; mas somos vazios e a força não está em nós. Recebemos a motivação de alguém, mas nos sentimos sem garra, alienados e sem identidade. Às vezes, até gostamos da engrenagem, mas não a podemos assumir como nossa. E ela nos desgasta e esvazia.

O pneu vazio é como a pessoa sem sopro, sem alma, sem vida. Vazia de motivação, de bondade, de alegria, de entusiasmo. Precisa descobrir e abraçar ideais que dêem sentido a sua vida e mobilizem suas forças.

O pneu desgastado é como a pessoa estressada, cansada, irritada, confusa. Desfaz-se em ScreenHunter_002pó e não consegue nada. Precisa parar, pensar, silenciar e re-integrar suas energias dispersas e corrigir o jeito de viver.

O pneu furado é como a pessoa traumatizada. Precisa sarar as feridas para caminhar bem.

O pneu novo é como a pessoa cheia de força. Precisa escolher os caminhos que quer trilhar, descobrir objetivos, assumir ideais, ter rumo. O pneu novo também pode ser vazio, pode furar e orientar-se para o desgaste. Assim também a pessoa nova.

O pneu usado é como a pessoa experiente. Percorreu muitos caminhos, desgastou-se, caiu em muitos buracos, carrega muitas memórias, provou o amargo e o doce da vida. Sua sabedoria está em selecionar o que é bom e verdadeiro.

3.Aposentados no vazio?

Os pneus foram projetados para rodar; desgastam-se e são aposentados no vazio. A condição humana também sofre estresse, se desgasta e se angustia, mas, ao contrário dos pneus, sua interioridade pode aumentar e se consolidar se o tempo a faz mergulhar numa experiência de amor. Não nascemos para morrer vazios, mas para crescermos para a plenitude do amor. O estresse faz parte da nossa vida, sobretudo a vida urbana é desgastante. Compete a nós escolher uma vida de acordo com a nossa condição. Ninguém, certamente,  vai escolher ser como um pneu. Deus nos constituiu de liberdade, de interioridade, de subjetividade e de inter subjetividade, de capacidade para fazer a História, de maneira livre e inteligente; somos chamados à experiência do amor e não ao vazio, chamados à comunhão, à fraternidade, à intimidade com Deus e com a humanidade, à solidariedade com toda a Criação. Doamos a vida, escolhendo o sentido de nossa doação, não como peças de uma engrenagem, mas como vida e projeto que assumimos na liberdade e no amor.

4.Marta e Maria

Conhecemos a história de Marta e de Maria.

Enquanto caminhavam, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e ficou escutando a sua palavra. Marta estava ocupada com muitos afazeres. Aproximou-se e falou: «Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!» O Senhor, porém, respondeu: «Marta, Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; porém, uma só coisa é necessária, Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.» (Lc.10,38-42)

Marta é ativa e Maria é contemplativa. Estas duas mulheres existem dentro de nós. Precisamos desenvolver e integrar as duas. Contribuímos, trabalhamos, nos doamos e contemplamos, saboreamos, amamos, nos encontramos com o Senhor e caminhamos no mistério de ser, guiados por Ele, com Ele e n’Ele.

Integrar estas duas dimensões é um desafio. Quase sempre nos queixamos que nos perdemos no trabalho e no fazer que se torna vazio e desgastante. E, então, nos alertamos para a necessidade do encontro e da comunhão no amor. Marta e Maria rebolam dentro de nós. E desejamos fazer e transformar; e também contemplar e amar. O tempo dá-nos condição de integrar o trabalhar e o amar, para que o trabalho seja ação de amor e o contemplar seja salvação e libertação.

Só o crescimento para a generosidade da liberdade do amor nos fará integrar estas duas dimensões do nosso ser. E, então, podemos ser como Jesus, na intimidade e na ação, ação que gera intimidade e é fruto de intimidade e intimidade que é ação salvadora e libertadora. A comunhão com o Senhor constituirá nosso ser, assim como a missão do Reino.

5.Experiência de afeto

Nossos vazios podem brotar de frustrações, insucessos, experiências de rejeição, cansaço, falta de sentido e, sobretudo, de uma fraca ScreenHunter_003experiência de afeto. Podemos dizer que na base de nossas experiências de vazio está uma fraca experiência de afeto. A experiência de ser amado, acolhido, compreendido, é a raiz de nossa felicidade. Aquele que trabalha, que doa sua vida pela experiência de ser amado, terá mais condição de permanecer na sua entrega e doação. Terá mais condição de ser misericórdia e bondade para os outros. Aquele que se dispõe a servir, mas sem sentir-se amado, terá tendência para cair no vazio e desanimar.

6.“Esvaziou-se a si mesmo”

“Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fl.2,6-8)

Para assumir nossa vida, Jesus esvaziou-se. Foi um vazio assumido, voluntário, livre, para entrar na nossa história, e nas conseqüências que isso traz. Podemos dizer: Ele esvaziou-se da condição que tinha no coração da Trindade, amor pleno, para assumir as conseqüências do desamor, limites e frustrações de nossa vida. O esvaziamento de Jesus realiza a entrega total de Deus, como amor à humanidade e à Criação.

7.Vazio existencial

Para compensar seus vazios, muitas vezes as pessoas se afastam, se isolam, se retiram da vida, ou se envolvem em diversões, em comida e bebida, em atividades sexuais, em troca de parceiros, em drogas, em fofocas, em atividades sociais, em lutas pelo poder, em modos exibicionistas, em várias formas de apego a pessoas, a idéias, a coisas, a cargos, a hábitos. Uma forma de compensar nossos vazios é trabalhar demais. Marta é símbolo da pessoa ativa e cheia de preocupações; Maria é símbolo da pessoa que se esvazia de preocupações para aprender de Deus.

Normalmente dizemos que para fazer experiência de Deus precisamos silenciar e criar vazio dentro de nós, para que o Senhor possa ocupar o espaço que está livre em nós. Na realidade, todo o ser humano tem um vazio dentro de si que só o amor de Deus pode preencher. Esse vazio chama por Deus, anseia por Deus, e Deus é o único capaz de nos saciScreenHunter_004ar com o seu amor. Ó Deus, tu és o meu Deus, por ti madrugo. Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada e sem água.” (Sl.62,2) Maria assume essa busca de vazio. Fica quieta diante de Jesus, escuta suas palavras e vê seus gestos de amor. E assim, o ser de Jesus vai ocupando os espaços interiores de Maria.

8.Maria de Nazaré

Em Maria de Nazaré, deu-se o perfeito encontro com Deus. O Senhor olhou para a humildade de sua serva e encheu-a de graça. Os soberbos, os orgulhosos e os poderosos ficam de mãos vazias. (Lc.1,26-38.46-54)

A todos, para que façamos experiência de Deus, é exigido que nos esvaziemos de nossas coisas: de preocupações, de vaidades, de preconceitos, de nossas idéias sobre Deus, de nossas experiências de Deus. O amor novo de Deus não cabe em experiências antigas. Temos que passar por um processo de desestruturação de nossas formas apreendidas, nossas idéias, nossos afetos e nossos hábitos e comportamentos. Seremos conduzidos ao nada, ao vazio, para que Deus possa nascer em nós. E todos somos convidados a fazer uma re-estruturação de nossa vida, pela presença nova do amor que nos fala em nossos vazios. Só atravessando o vazio, em que perdemos todas as seguranças, nos podemos deixar fazer de novo, pela presença do amor de ScreenHunter_005Deus.

9.Ficar no vazio? Viva a comunhão!

Não fomos criados para o vazio, mas para a comunhão, experiência de intimidade em que acolhemos alguém na intimidade do nosso ser, abraçamos um projeto de vida no amor, amamos e trabalhamos, marcamos a História com nossa presença, doamos nossa vida como missão. Não somos pneus. Somos pessoas amadas, queridas, escolhidas, chamadas. Podemos re-estruturar nossa vida deixando-nos construir pelo amor. Amor de amor, misericordioso e livre do nosso Deus, Trindade Santa. Podemos encher nosso coração de coisas boas, frutos da liberdade do amor de Deus em nós: solidariedade, partilha, diálogo, reconciliação, amizade, perdão, fé, desprendimento, confiança, esperança, ação em favor da vida. Nossa vocação é o amor, viver no amor, com amor, pelo amor, ser habitados pelo amor.

“Caiu em si, levantou-se e disse: vou ao encontro do amor.”

Pe. José Luís, CSh

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Pedras

ScreenHunter_001Pegue duas pedras em suas mãos. Uma significa você; outra significa alguém com quem você tem dificuldade de se relacionar. Junte as duas pedras. Acolha as duas pedras. Duas pedras de pedra não se relacionam. Duas pedras gente comunicam-se e unem-se na fraternidade, no ideal, na missão.

Recorde o que machuca você. Quem é o outro para machucar você? O que tem, o que faz, o que diz (disse). Recorde quem é você para machucar o outro. Que pedra é você? Compreenda a sua pedra e a pedra que o outro é, e caminhe para o perdão, para a união, para a construção. Que pedra eu sou?

Se as pedras falassem... quantos segredos nos contariam.

A pedra rejeitada

A pedra do túmulo

A pedra do altar do sacrifício, de expiação e de ação de graças

A pedra do rochedo, no meio daquele deserto

Aquela pedra de condenação...

E a rejeitada tornou-se pedra angular, a que abre o espaço da comunidade, a que fortalece a construção. (Mt. 21,42; At.4,11; 1Pd.2,4.7; Lc.20,17; Mc.12,10; Sl.118,22);

E a do túmulo rolou pela explosão do amor (Mc.16,3-4; Mt.27,60; Jo.11,38; Lc.24,2);

E a do altar tornou-se Jesus, ‘sacerdote, altar e cordeiro’ (1Sm.6,14-15;1Rs.18,32; Dt.27,5-8);

E a do rochedo um manancial no deserto (Is.48,21; Sb.11,4; Sl.78,16; Dt.8,15);

E a de condenação tornou-se a pedra da verdade, da misericórdia, do perdão (Jo.8,7).

O coração de pedra o que nos contaria?

As pedras de condenação (At.7,59; Jo.10,31; Jo.8,5.59);

As pedras de tropeço (1Pd.2,8; Mt.16,23; Sl.91,12; Eclo.32,20);

As pedras da idolatria (Ez.20,32; Jr.3,9; Jr.2,27; Dt.28,36);

As pedras de escândalo “quem escandalizar um destes pequeninos” (Mt.18,6; Lc.17,2; Mc.9,42);

As pedras onde secam as raízes (Lc.8,13);

As pedras da construção provisória (Lc.21,6; Mc.13,2; Mt.24,2);

As pedras da tentação (Lc.4,11; Mt.4,3).

São muitas pedras, pedras de muitas formas, de muitas funções. E mesmo que o coração seja de pedra,ScreenHunter_006 Deus pode transformá-lo em coração de carne (Ez.2,4.3,7.11,19.36,26; Jr.5,3; Is.46,12) ;

E mesmo que seja pedra do caminho, Deus pode fazer dela um filho de Abraão (Lc.3,8);

Pedras que gritarão (Lc. 19,40);

Pedras de aliança (Js.24,26-27; Dt.9,9-11; Dt.4,13; Ex.31,18 “eram tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus”; Gn.35,14; Gn.31,44-48);

Pedras fortes (Jó.6,12);

Pedras do jovem Davi (1Sm.17,49-50; Eclo. 47,4).

Muitas pedras para serem vivas, de construção (1Rs.5,31; 1Pd.2,5), de alicerce (1Cor.3,12), pedras preciosas aos olhos de Deus, pedras escolhidas (Is.28,16).

E sobre esta pedra...

Jesus chegou à região de Cesaréia de Filipe, e perguntou aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» Eles responderam: «Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetasEntão Jesus perguntou-lhes: «E vocês, quem dizem que eu souSimão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivoJesus disse: «Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la.” (Mt.16,13-18)

ScreenHunter_007Jesus perguntou a Simão Pedro: «Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outrosPedro respondeu: «Sim, Senhor, tu sabes que eu te amoJesus disse: «Cuide dos meus cordeirosJesus perguntou de novo a Pedro: «Simão, filho de João, você me amaPedro respondeu: «Sim, Senhor, tu sabes que eu te amoJesus disse: «Tome conta das minhas ovelhas.» Pela terceira vez Jesus perguntou a Pedro: «Simão, filho de João, você me amaEntão Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Disse a Jesus: «Senhor, tu conheces tudo, e sabes que eu te amoJesus disse: «Cuide das minhas ovelhas.»” (Jo.21,15-17)

Sobre você que ama e que vive da fé no Cristo Filho de Deus, Palavra de vida eterna, Deus constrói a nova humanidade.

 

Você é pedra

As pedras são duras, caladas e monótonas. Frias. Incomodam. As pedras de um monumento são talhadas, trabalhadas, esculpidas. As preciosas são polidas. Pedras de maior e menor resistência. Simples.

As pedras vivas também incomodam.

Uma pedra será sempre uma pedra.

“No meio do caminho tinha uma pedra” (Carlos Drummond)

Perceba seu lugar e sua importância, sua forma de ser pedra, dentro da comunidade, na construção daScreenHunter_002 comunidade.

Pedra de aliança; pedra angular, pedra da parede da construção, pedra do chão; pedra do muro que guarda a habitação; pedra preciosa, estimada, querida; pedra do altar, da entrega, do compromisso; pedra separada, isolada, triste, perdida; pedra rancorosa, amarga, empedernida; pedra alegria e esperança, quente, viva; pedra de túmulo, pedra de ressurreição; pedra polida, talhada; pedra bruta, intocada.

Podemos dizer: todas as pedras são pedras, mas umas são mais pedras que as outras.

Templo de Deus

“Nós trabalhamos juntos na obra de Deus, mas o campo e a construção de Deus são vocês. Eu, como bom arquiteto, lancei os alicerces conforme o dom que Deus me concedeu; outro constrói por cima do alicerce. Mas cada um veja como constrói! Ninguém pode colocar um alicerce diferente daquele que foi posto: Jesus Cristo. Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo são vocês.” (1Cor. 3,9-11.16-17

Aproximem-se do Senhor, a pedra viva rejeitada pelos homens, mas ScreenHunter_003escolhida e preciosa aos olhos de Deus. Do mesmo modo, vocês também, como pedras vivas, vão entrando na construção do templo espiritual, e formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita por meio de Jesus Cristo.”(1Pd.2,4-5)

“A pedra que os pedreiros rejeitaram tornou-se a pedra angular”

A pedra angular abre o espaço da comunidade, junta as paredes, fortalece a construção. É uma pedra talhada e escolhida, querida. A pedra rejeitada é uma pedra que traz feridas. Sente-se não querida, não escolhida, não amada. Às vezes inferiorizada, ciumenta, sensível às palavras e atitudes dos outros, desconfiada.

Faça a experiência de ser pedra rejeitada: descubra momentos em que você se sentiu rejeitado/a. Como você percebe a rejeição em sua vida? Hoje, inferioridade, desconfiança, ciúmes, competição, sensibilidade, criatividade, imaginação, passividade, agressividade... podem ser frutos da rejeição sentida.

ScreenHunter_009Faça a experiência de ser pedra escolhida: mesmo sentindo rejeição(ões), você tornou-se pedra de uma construção, de uma comunidade. Você tem amigos e amigas, companheiros de ideal, irmãos e irmãs na mesma missão, peregrinos no mesmo desafio de ser. Descubra também seus tempos de pedra angular, suas oportunidades de se tornar pedra angular. Você é pedra de construção. Mesmo que não seja angular, você é pedra viva de uma comunidade. Descubra seu valor e seu lugar.

Tantas pedras rejeitadas se tornaram, mais tarde, importantes na construção. São pedras vivas que curaram feridas da rejeição, restauraram a confiança, e assumiram viver, ser em comunhão.

  Jesus Cristo, pedra rejeitada

Jesus conviveu conscientemente com a rejeição. Como profeta, ele sabia que “nenhum profeta é bem recebido em sua terra” (Mt.13,57) e que “assim fizeram com os antigos profetas” (Mt.5,12) que foram rejeitados. Várias vezes, os judeus pegaram pedras para o apedrejarem (Jo.10,31) e ficaram irritados com ele e planejaram matá-lo (Mc.3,6; Jo.5,16). Jesus viveu a rejeição, fortalecido pelo projeto de Deus Pai, por seu amor, por sua comunhão com Deus Pai. Por isso, ele permaneceu inteiro. A rejeição que sofreu não o desviou do caminho do Pai. Antes, o fez doar livremente sua vida como amor e no amor. “Ninguém me tira a vida, eu a dou livremente” (Jo.10,18).

Se a rejeição afeta nosso ser, nossa vida e nossa entrega no amor... com Jesus isso não aconteceu. Jesus permaneceu livre doando sua vida como amor, como Reino de Deus vivo e pleno na História.

Jesus conviveu com a rejeição passando livre no meio das pessoas que o rejeitaram (Lc.4,29-30);ScreenHunter_008 perseverando no anúncio do Reino (Jo.7,25-26); evitando os que queriam matá-lo, pois não tinha chegado a sua hora (Jo.7,1.30); sofrendo as conseqüências da rejeição: Jesus começou a ensinar os discípulos, dizendo: «O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar depois de três dias(Mc.8,31); ao longo de sua vida, Jesus permanece amor, perdão, misericórdia, redentor.

Jesus não desanima do projeto do Reino, acredita nos discípulos mesmo nas negações (Mt.26,69-75), não se refugia no vitimismo sem sentido. As palavras de Jesus na sua morte, momento mais forte da rejeição humana, mostram que Jesus permanece livre e entregue ao amor do Pai: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc.23,34); “hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc.23,43); “Tudo está consumado” (Jo.19,30); “Pai, nas tuas mãos, entrego o meu espírito” (Lc.23,46) ; “Tenho sede” (Jo.19,28); “Mulher, eis aí o teu filho; filho, eis aí a tua mãe” (Jo.19,26-27); “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mc.15,34).

A rejeição não corrompeu a personalidade de Jesus. Ele é feito de amor encarnado e libertador e permaneceu assim a vida inteira. Não viveu como alguém inferior, não amado, carente; encarou a vida com confiança plena e, diante da agressão, não desviou a cara (Is.50,4-9). Sua identidade no amor do Pai era mais forte que todas as rejeições humanas. O amor rejeitado não deixou de ser amor e de amar.

Ressuscitar com Cristo é tornar-se pedra viva de um edifício vivo

De grupos, de comunidades,

Pedras vivas da Igreja

Pedras vivas de fé,

Vivas de amor, vivas de alegria

Pedras jovens de um edifício novo,

Pedras de contradição, de anúncio

Pedras de ação, de compromisso

Pedras de transformação

Pedras da profecia

Pedras livres, pedras da libertação.

Tu és pedra e sobre esta pedra...

Pedra da paz, da verdade, da justiça

Pedra da comunhão, da misericórdia

Pedra da evangelização...

E nasceram muitos grupos

Muitas comunidades

Porque tu és pedra, pedra viva

Do Reino

O Senhor se move em ti.

Pe. José Luís, CSh

sábado, 26 de março de 2011

O Lixo

ScreenHunter_001Podemos produzir uma tese: o ser humano é um produtor de lixo; onde existe o ser humano há lixo; quanto maior é o aglomerado humano, maior é a quantidade de lixo; as grandes cidades são grandes lixeiras e grandes lixões.

O ser humano produz lixo pela sua ação, pela sua inteligência, pelo seu desejo, pela sua imaginação. O ser humano produz o que não é necessário, nem para si mesmo, nem para a natureza. A ambição do ser humano produz lixo; o seu perfeccionismo produz lixo; o consumismo produz lixo; o luxo é lixo; o chamado “desenvolvimento” tem sido um produtor de lixo.

Sempre que o ser humano produz o supérfluo, o desnecessário à vida, produz lixo. Somos produtores de lixo. Sou produtor de lixo. Você é produtor de lixo. Plásticos, papéis, resíduos, embalagens, ideias, ideologias, preconceitos, violência, exploração, mentira, aparência, vaidades... quantas formas de lixo. Nadamos em lixo, nos movemos no meio do lixo, nos alimentamos de lixo, nos transformamos em lixo. Cada ser humano se transformou em lixo e trata o outro ser humano como lixo. A falta de auto estima, a consequente ausência de estima do outro, a objetização do outro como coisa minha ou de ninguém, tornam o ser humano lixo.

Lixo físico, líquido e gasoso, lixo científico, lixo técnico, lixo sonoro, lixo sexual, lixo de consumo, lixo sentimental, lixo mental, lixo “espiritual”... são muitas as formas e as produções de lixo, lixo doméstico, lixo urbano, lixo relacional, lixo que carrego comigo e que entrego para carregar os outros. Lixo que não é necessário. O ser humano tornou-se alguém desnecessário para o mundo, porque de tudo o ser humano faz lixo, até a si mesmo transforma em lixo.

Os canais da cidade estão cheios de lixo; a sarjeta das ruas estão cheias de lixo; os canteiros da avenidario_poluido estão cheios de lixo; os cadáveres humanos se afogam em lixo; o aquecimento global é fruto da produção de lixo. O lixo é um dos maiores problemas ecológicos, um dos causadores do efeito estufa, da destruição do solo e da poluição das águas. A terra foi transformada numa grande lixeira de supérfluo, de ignorância, de aparência, de mentira, de morte. Os países exportam lixo, enriquecem e empobrecem à custa de lixo.

É importante perceber: quando me transformo em lixo; quando me relaciono com os outros como lixo; quando me aproveito da natureza como lixo.

O lixo é estético, é artístico, é (i)moral; o lixo é querido, amado, valorizado; o lixo é produzido, fabricado, bem pensado: lixo bélico, lixo televisivo, lixo cinematográfico, lixo industrial, lixo político. A humanidade é um mar de lixo. Quem poderá respirar sem que sinta o fedor do lixo? Carregamos lixo. Acumulamos lixo. Escutamos lixo. Alimentamo-nos de lixo. Corremos à procura de lixo. Espalhamos lixo. Amamos o lixo. Somos dependentes do lixo. Quando chegará o dia em que seremos amigos do essencial, da verdade, da liberdade, da bondade, da beleza, da água cristalina e do ar puro?

Cria em mim um coração puro

Tem piedade de mim, ó Deus, por teu amor! Por tua grande compaixão, apaga a minha culpa!

Lava-me da minha injustiça e purifica-me do meu pecado!

Porque eu reconheço a minha culpa, e o meu pecado está sempre na minha frente;

pequei contra ti, somente contra ti, praticando o que é mau aos teus olhos.

Tu és justo, portanto, ao falar, e, no julgamento, serás o inocente.

Eis que eu nasci na culpa, e minha mãe me concebeu pecador.

Tu amas o coração sincero, e, no íntimo, me ensinas a sabedoria.

Purifica-me com o hissopo, e eu ficarei puro. Lava-me, e eu ficarei mais branco do que a neve.

Faze-me ouvir cantos de júbilo e de alegria, e que se alegrem os ossos que esmagaste.

Esconde dos meus pecados a tua face, e apaga toda a minha culpa.

Ó Deus, cria em mim um coração puro, e renova no meu peito um espírito firme.

Não me rejeites para longe da tua face, não retires de mim teu santo espírito.

Devolve-me a alegria da tua salvação, e dá-me um espírito generoso.

Vou ensinar teus caminhos aos culpados, e os pecadores voltarão para ti.

Livra-me do sangue, ó Deus, ó Deus, meu salvador! E a minha língua cantará a tua justiça.

Senhor, abre os meus lábios, e minha boca anunciará o teu louvor.

Pois tu não queres sacrifício, e nenhum holocausto te agrada.

Meu sacrifício é um espírito contrito. Um coração contrito e esmagado tu não o desprezas.

Favorece a Sião, por tua bondade, reconstrói as muralhas de Jerusalém. (Sl. 51)

Quanto tempo?

O papel de jornal demora 2 a 6 semanas para se decompor; embalagens de papel, 1 a 4 meses; guardanapos de papel, 3 meses; pontas de cigarro, 2 anos; fósforos, 2 anos; chicletes, 5 anos; nylon, 30 a 40 anos; sacos e copos de plástico, 200 a 450 anos; latas de alumínio, 100 a 500 anos; tampas de garrafas, 100 a 500 anos; garrafas PET, mais de 100 anos; vidros, 1 milhão de anos para se decompor.

A degradação dos materiais ocorre e varia em função da combinação de vários fatores: temperatura, teor de umidade, Ph do meio, luminosidade, pressão atmosférica, quantidade de oxigênio, além de outros.

Quantos anos permanecem as consequências do pecado?

Quanto tempo demora para se desfazer um preconceito?

Quem apagará as ideologias da guerra, do colonialismo, do racismo?

Uma calúnia, quem a retirará?

Quantos séculos para superar as consequências da escravatura?

Quantos séculos para superar as consequências da fome?

Os canais da felicidade estão cheios de lixo. Quanto tempo esperamos para transformar os sentimentos que nos destroem?

Convivendo com o lixo

Ignorar - esconder - reduzir - reutilizar - reciclar - transformar reciclagem

E já se perguntou: como você costuma encarar o desafio de conviver com o lixo?

Tentar ignorar o lixo será uma solução de inconsciência e em nada produtiva; esconder é mentir pra si mesmo e essa “é a pior mentira”; reduzir a produção de lixo é uma forma boa de contribuir, consumindo de maneira consciente, evitando o supérfluo e o desperdício, racionalizando o uso de materiais e os produtos do dia a dia; reutilizar é bom para certos produtos que podem ser aproveitados, antes de serem descartados, e contribui para evitar o desperdício; reciclar reduz a quantidade de lixo, economiza água, energia e matéria prima e preserva o meio ambiente. Uma tonelada de plástico reciclado evita a extração de milhares de litros de petróleo, além de evitar a poluição. Uma tonelada de vidro reciclado evita a extração de 1300kg de areia, além do milhão de anos de espera para a decomposição do vidro.

Areciclagem LATINHAS reciclagem é uma forma de transformação. Esta transformação terá que ser ampliada pela transformação das atitudes e dos comportamentos humanos, para que haja mais respeito pela dignidade da terra e mais cidadania. É o próprio centro da pessoa, onde reside o pecado que tem que ser transformado em amor, liberdade e graça; são as próprias estruturas sociais de pecado que têm que ser transformadas em fontes de vida, em nascentes de graça libertadora.

Caos e Criação

O caos é a situação da humanidade, produtora de lixo e mergulhada em lixo de toda a espécie. É tarefa do ser humano contribuir para a Criação, para a dignidade da terra, para sua beleza, felicidade e harmonia.

O pecado precisa ser reciclado, transformado em justiça, igualdade, respeito, graça. Graça de Deus, amor criador e libertador.

A liberdade será livre ao serviço da Criação, tendo como sentido a harmonia da criatividade do amor, o projeto de Deus. Quando a liberdade perde o sentido do amor, aquele amor livre de Jesus libertador, gratuidade da liberdade do amor, a liberdade se orienta por interesses e se torna escrava, cega e burra, geradora de caos, desorganização, exploração, guerra: lixo.

Pe. José Luís, CSh